Nego Drama

terça-feira, 23 de novembro de 2010

Pensamentos de um cabelo bom


Quando foi a última vez ou a primeira que você viu um filme africano? Não é segredo pra ninguém que o cinema é aula de cultura com imagens, cenas, linguagens e costumes daquele ou desse lugar. Somos tão ignorantes de Áfricas. Quando eu e meu filho, Juliano Gomes, hoje cineasta, mas então, com dezesseis anos, fomos a Moçambique, ele me disse, ao meio do segundo dia naquele pais. Mãe, tô com uma vergonha dos moçambicanos, eles sabem tudo de nós e eu não sei nada deles.” Tinha razão o adolescente. Fomos então os dois buscar livros imediatamente. O mesmo se deu comigo ao desembarcar em terras caboverdianas. Nunca tinha visto tanta gente com cara de parente, com jeito de gente de minha família capixaba. Lá mulato de olho verde é mato.


 Cabo Verde, hoje eu sei, se considera um pedacinho do Brasil. Isto está em suas canções e nas conversas do povo, que se assume, talvez por causa da mestiçagem, como nosso irmão.   Mas  a  ignorância brasileira sobre a história das “áfricas” ainda campeia, pois só agora a lei que garante ensino  de vida e costumes daquele continente em nossa formação  na escola começa a engatinhar.  Me preocupa e me entristece que ainda se possa testemunhar, passivamente, a estúpida ignorância que o racismo é, a fazer seu incalculável estrago. Quem me conhece sabe: não sou de gueto, não me apetece. Tudo o que faço aqui, nestas poucas linhas para tão  vasto tema,  propõe a  mistura contra o separatismo e não o contrário. Creiam-me, nas escolas, enquanto vos  escrevo, o modelo de um só tipo de beleza continua a excluir meninos e meninas negras ou mestiças que, por motivos étnicos, em geral, não são escalados nos papéis de príncipes ou de princesas. Ou seja, já na escola o menino negro é o eterno “sapo”, o vilão, o bandido. A toda hora nesse país um adolescente afro-descendente é tratado, ao contrario do que nos garante a constituição, como presumidamente suspeito. É revistado com grosseria e desrespeito como se morasse na etnia o gene do ladrão. Trata-se de um pensamento que, além de injusto é imperfeito, pois se observarmos bem, nos grandes escândalos de corrupção envolvendo políticos e sofisticados ladrões, quase não tem preto compondo essas quadrilhas. Uma vez, passeando na Lagoa, num domingo de manhã, a polícia abordou meu filho que ia na frente de bicicleta. A alegação da “autoridade”, quando eu perguntei o porquê, foi ridícula: “O cabelo dele é suspeito.”
O inconsciente brasileiro, muitas vezes sem se dar conta, nos reserva um lugar de segunda categoria. Mesmo os mais esclarecidos, que tanta falta fazem a esta causa, se atropelam no assunto. Sem se aperceberem, também esses, vão solidificando conceitos preconceituosos como o de “cabelo ruim, cabelo bom”, por exemplo. Ora, o cabelo crespo não é um sub-cabelo, não está errado nem órfão de qualidades. Ruim por que? Feriu alguém? Por acaso o crespo é o primata da estória capilar que um dia alcançará o posto de cabelo sapiens que seria o cabelo liso?Meu cabelo é bom. Desculpe-me, forçar a vossa mentalidade assim, mas é que é o mês da consciência negra e eu fui incumbida de tocar na “raiz” do problema. Precisamos impedir que se prossiga com essa lavoura de problemas, onde todo o dia se planta aos pouquinhos a semente da desigualdade. Teve festa do troféu Raça Negra na sala São Paulo homenageando Milton Nascimento, e eu ganhei o premio de melhor espetáculo. Era uma nata, uma afro-nata, digo:  Luiz Melodia, Milton Gonçalves, Sandra de Sá, Antonio Pitanga e tantos outros, que dava gosto de ver! Meu sonho é que todo cidadão, de qualquer tom, seja respeitado sem ter que ser famoso para isso. Todos os dias o preconceito desperdiça futuros cidadãos brasileiros. Portanto,  qual tem sido a vossa pegada sociológica? Ou seja, assim como na ecologia, que tipo de rastro social nosso atos deixam? Desmatar é tão predador quanto excluir, e nesta peça qual tem sido vosso papel? Não sou eu, é a justiça quem nos pergunta. Bem, o assunto continua depois;  sei que as guerras étnicas são um problema do mundo. Mas é bobo, embora tanto sangre. Pois como água, a verdade escorre entre os dedos. Ninguém segura. Do mesmo modo a terra é de todos os homens, e não há como deter essa verdade.
Texto: Elisa Lucinda

Um comentário:

Ismael disse...

Existe varios tipos de racismo inclusive de negros contra negros ou artistas ou mesmo grupos negros que para eles apenas negros ou brancos de origem portuguesa sao brasileiros. As pessoas de origem holandesa muiyad delas estao a mais tempo nesse paiis dq muitos negros. Sem esquecer a verdadeira historia do sul. Sou de origem italiana e oque sei nao aprendi na escola..isso nao e um relato de um racista mas de uma pessoa cansada de ouvir que tudo e racismo nesse paiis.