Nego Drama

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

De um lado, o Carnaval; de outro... a fome total!


Por Maurício Pestana
(Presidente do Conselho Editorial
da revista Raça Brasil)
pestana.raca@escala.com.br


A cultura, em um mundo globalizado, é setor estratégico em vários países. Prova disso são os relatórios do Banco Mundial, indicadores que 7% do PIB do planeta provêm deste produto.

A América Latina e a África, apesar da diversidade cultural que possuem, não somam 4% da movimentação desse mercado em que apenas cinco paises controlam 60% de toda a produção. Somente as empresas de Hollywood possuem 80% das salas de cinemas de todo o planeta. No Brasil, segundo os últimos dados do IBGE, a indústria cultural conta com mais de 269 mil empresas e emprega 1, 4 milhão de pessoas (sem contar a economia informal).

Em um país onde a cultura negra é patente, presente em todos os aspectos, tais como música, culinária, religião, artes visuais, moda, dança, entre outros, torna-se praticamente impossível pensar no Brasil sem reportar à sua influência. E qual a contrapartida econômica que esta contribuição tem dado a nós negros?

Nas vésperas de realizar o maior evento cultural do país, o Carnaval, ressurge a velha história: quando se trata de setores estratégicos e lucrativos, mesmo sendo nós os protagonistas da festa, não levamos a maior parte do bolo. Das grandes escolas de sambas, concentradas principalmente no eixo Rio-São Paulo, a maioria não é mais comandada por famílias negras, como no passado, quando o Carnaval não era um negócio lucrativo dos milhões de dólares dos dias atuais.

Se focalizarmos a cidade onde a cultura negra é soberana - onde mais de 80% de sua população é negra - o retrato será igualmente desolador e a história se repete: os que mais lucram no Carnaval de Salvador não são os negros. Registrado no Guinness Book como a maior festa popular do mundo, o Carnaval soteropolitano, neste ano, tem investimentos astronômicos de empresas que vão de grandes cervejarias à telefonia móvel, passando pelas de cartões de créditos, entre outros gigantes financeiros.

A cobertura jornalística se fará em180 paises, através de 24 jornais (oito internacionais e 17 nacionais) e 37 emissoras de televisão estrangeiras. Estima-se que mais de dois milhões de pessoas circularão durante a festa, (das quais 450 mil são turistas brasileiros e do exterior) , o que gera uma receita de US$ 87.000.000, segundo as Secretarias de Cultura e deTurismo da Bahia (Bahiatursa).

Mas não são necessárias estatísticas para demonstrar a nítida desigualdade!O protagonismo negro apresenta-se maciçamente na outra ponta da economia, a dos trabalhos informais, como cordeiros de blocos, ambulantes de acarajés, picolés, venda de coco na praia, catadores de latinhas, evidências incontestáveis da verdadeira face do Apartheid social e racial existente na principal cidade negra do país.

Em meio a todas essas desigualdades, e depois de muitos protestos dos blocos Afros, algumas ações do governo têm procurado atenuar as disparidades. Uma delas é o programa Ouro Negro, que, no ano passado, distribuiu R$ 3,7 milhões de reais como apoio a 106 blocos de matriz africana, os quais, sem esse auxílio, não teriam condições de sair às ruas.

Outra importante iniciativa é o incentivo ao turismo étnico, com o objetivo de alavancar negócios na comunidade negra, ainda tímida diante do tamanho da desigualdade que, nos dias de hoje, mudaria o verso do poeta Vinicius de Moraes para: "Se o samba nasceu lá na Bahia e se hoje ele é branco na poesia, ele é ..." branco demais também na divisão dos lucros!

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