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sábado, 10 de abril de 2010

Por que falar em Faxina Étnica

Por que falar em Faxina Étnica
Por Gilberto Batista Campos* Marco André**
Contribuição de Luiz Mendes POA



O racismo é uma prática social com efeitos perversos na vida de bilhões de seres humanos espalhados pelos cinco continentes do planeta (sejam povos originários, afro-descendentes, árabes, ciganos, judeus, orientais etc). A prática do racismo é estrutural e apoiada pelo estado e por seu aparelhos ideológicos (meios de comunicação, igreja, escola etc) no sistema social e político capitalista. O racismo brasileiro tem uma face institucional e militar: a faxina étnica. Esta política de faxina étnica define – para negros, “pardos”, “morenos” e “mulatos” – quais são os territórios em que podem viver e a forma como devem viver. Favelas, periferias, subúrbios e alagados não fenômenos que revelam, no território urbano, a unidade entre capitalismo e racismo, entre classe e raça.

O processo de racialização do espaço urbano foi (e ainda é) extremamente violento e complexo. Como primeiro fator, temos a política de extermínio e genocídio que nomeamos de extermínio direto e extermínio indireto. O extermínio direto é materializado nas ações do estado contra moradores destes territórios. É uma violência estatal e não social como a provocada pelo tráfico de drogas. Já, o extermínio indireto ocorre através da morte lenta nas filas dos hospitais por falta de socorro e tratamento adequado, nas enchentes e tragédias naturais causadas pela omissão do estado e da defesa civil, os surtos de dengue e outras enfermidades que incidem majoritariamente na população negra e pobre.

Ambas as formas de extermínio (direto e indireto) tem como base esteriótipos racistas que se reproduzem através destas ações. Quando a polícia do estado assassina um morador de uma favela – ao invés de protegê-lo – diz-se que se tratava de um “marginal” (que é representado como um descartável, ou seja, um elemento anti-social sem condições de ser reintegrado a vida em sociedade). O suspeito-padrão da polícia é negro, “moreno”, “pardo” e “mulato”: não importa como esteja vestido, onde esteja e o seu comportamento – apenas pela cor de sua pele – já é considerado suspeito. Quando não o matam, o constrangem (através da violentas batidas policiais) que tem o objetivo de mostrar ao negro “qual é o seu lugar”.

Por outro lado, as imagens reproduzidas pelos jornais e televisão das filas dos hospitais, dos que morrem por falta de tratamento e atenção, dos que têm suas vidas, móveis e casas totalmente perdidos por catrástofes naturais etc, não causam nenhum tipo de indignação: são naturalizadas. Naturalizar é afirmar que estas tragédias tratam-se de fenômenos que não podem ser impedidos pela ação humana. Estas imagens são relacionadas à tragédia que segue há mais de cinco séculos os afro-descendentes, tomados por uma “coletividade amaldiçoada” que não consegue superar seus problemas por seus próprios esforços.

Por fim, associam-se os territórios de maioria negra à tragédia e a violência como elemento naturais e reeditam o racismo biológico que estabele a relação direta entre cor da pele e comportamento social. O racismo transforma, desta maneira, os problemas sociais e raciais dos moradores das favelas, periferias, subúbios, alagados e bairros pobres – de maioria negra – em problemas de ordem moral, psicológica e biológica. Para comprovar sua tese, o estado burguês e racista tem a necessidade de encarcerar os negros e pobres, ou seja, mostrar ao conjunto da sociedade que, de fato, são elementos perigosos e, por conseqüência, é necessário pôr sobre controle e vigilância permanente os territórios de maioria negra.

Como segunda manifestação da faxina étnica, apontamos o encarceramento em massa da população afro-descendente (em enorme desproporção se comparadas a população branca). As cadeias brasileiras parecem-se enormes navios negreiros, depósitos de carne humana em que se inscreve na pele negra sua associação necessária com o crime. É impossível fugir ao estigma da raça: a prisão é a instituição consagrada para controlar a pressão social e racial do proletariado urbano e rural. Logo, se associa o criminoso ao seu lugar de origem: ele vive na favela, tem amigos na favela, se comporta como um favelado etc. Raça, território e criminalidade confundem-se em uma coisa só: se é negro e favelado, necessariamente é criminoso. Com isso, o encarceramento contribui para definir os territórios negros urbanos: trata-se de uma malha de ruas, casas e barracos que unem negros “marginais” ou em processo de “marginalização”.

Como terceira manifestação da faxina étnica, apontamos as políticas de remoção e despejo. Se uma coletividade negra vive, de forma precária, em uma área valorizada pela especulação imobiliária ou de um novo empreendimento imobiliário, o estado age de forma violenta para expulsá-la deste território. Com isso, empurram os negros para longe do centro e dos bairros nobres, de maioria branca, em que só podem visitar na condição de empregados domésticos ou prestadores de serviço.

Estamos convencidos que, nos dias atuais, de desindustrialização da economia e recolonização do pensamento social brasileiro, em que o imperialismo penetra com mais força e violência em nossa sociedade, o racismo – fenômeno associado a ordem social burguesa – manifesta-se com toda sua intensidade no território urbano. Para o Círculo Palmarino é tarefa da nova vanguarda social combativa do movimento negro, dos movimentos populares e forças progressistas, contribuir para politizar o conceito de território negro urbano: ele pode ser uma ferramento poderosa de afirmação dos afro-descendentes que vivem nestas áreas com o objetivo de fazer um contraponto as representações racistas que associam o território em que vivem à criminalidade, ao vício e a ausência de produção artística e cultural.

Por tudo isso é necessário falar em faxina étnica. Denunciá-la e combatê-la é dever de todos os que se identificam com o povo negro e suas aspirações de liberdade e reconhecimento coletivo. Para nos contrapormos a este processo de faxina étnica é necessário um conjunto de políticas públicas que tenham como marco uma cidade racialmente mais justa e integrada. Enquanto, nos centros urbanos de nosso país, pequenas faixas do território urbano, de maioria branca ou totalmente branca, monopolizarem os equipamentos públicos (melhores escolas, hospitais, centros de comércio, lazer, recreação, produção e difusão cultural) em detrimento da enorme massa negra desasistida e esparramada em territórios em que o único equipamento público é uma unidade da polícia, estaremos muito longe de solucionar este problema.



* Coordenador Geral Nacional do Círculo Palmarino e militante do PSOL/ES

**Coordenador Estadual do Círculo Palmarino/RJ e miliante do PSOL/RJ

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