Nego Drama

sexta-feira, 25 de março de 2011

Estudante negro terá que deixar o sonho de concluir a faculdade por causa de policiais militares


Estudante deixa cidade do interior gaúcho após denunciar agressão e racismo praticados por PMs.

Helder Santos nasceu na Bahia, e morava em Feira de Santana até alguns anos, quando passou no vestibular para História na Unipampa, em Jaguarão, no Sul do Rio Grande do Sul. Estuda e trabalha na prefeitura da cidade. Na semana anterior do carnaval, ele e seus colegas de trabalho foram parados em uma ação da Brigada Militar na saída de uma festa. 

Um amigo de Helder começou a apanhar, e ele interveio. Quem conta a história é a integrante do Movimento Negro Unificado, Consuelo Gonçalves. “Quando viu um amigo ser espancado e ser chamado de negro se colocou, e a polícia foi mais violenta com ele, algemou, levou para a delegacia, sob alegação de desacato de autoridade porque ele disse que eles estavam sendo racistas quando chamaram o companheiro de negro e bateram ainda com mais força”, comenta.
Quem fala, agora, é o próprio Helder. “Quando eu virei pro lado, tinham dois policiais agredindo um amigo nosso. Aí, outro policial me mandou virar para a parede, ele disse ‘olha pra parede, negão’. Eu virei em direção para o meu amigo, ele me chamou de novo de negão. Aí perguntei por que ele estava falando comigo daquela forma, para ele olhar para a cor dele, porque ele também não era branco. Aí ele mandou me algemar, me bateu com um cacetete no ombro e na barriga”, conta.

Helder procurou a corregedoria da Brigada Militar, que instaurou processo para investigar os responsáveis, apontados por colegas como soldado Osni e sargento Ávila. Também fez denúncia ao Ministério Público da cidade por abuso de autoridade e discriminação racial. Registrou boletim de ocorrência na Polícia Civil, e deu entrevista em uma rádio. Foi a gota d’água. Helder recebeu uma carta de um soldado da Brigada Militar, dizendo que ele deveria se cuidar, porque os envolvidos eram perigosos.
Um trecho da carta, anônima, diz: “O Osni já está até esfregando as mãos, e disse que vai te levar para dar uma volta no carnaval, que vai te colocar na viatura e te levar para a zona rural e te agredir, (…) ele está incomodando todo mundo para conseguir uma arma de choque. (…) O major (Ferreira, comandante da BM de Jaguarão), já avisou que é para te ‘embolachar’ (…). A ordem é te bater sem deixar marcas gerais, peço que tu tomes cuidado no carnaval”.
A carta dizia para que ele procurasse ajuda com o movimento de Direitos Humanos, Movimento Negro, Comando Regional da BM em Pelotas, Ministério Público, e voltasse a falar na rádio local. A carta, segundo Consuelo, do Movimento Negro, foi de alguém amigo. “Ele dá nomes de brigadianos e sugere que ele vá até a regional (da BM), e que ele se proteja, que saia de Jaguarão. É alguém que avisa. Agora, o segundo, é uma coisa horrível”, conclui.

O segundo alerta não vem da mesma pessoa, mas de um dos próprios agressores A nova carta, desta vez, tem selo de Bento Gonçalves. A correspondência começava com “Baiano Nego Sujo”. Em um dos trechos, a ameaça era a seguinte: “se tu for lá na Brigada e falar a verdade e me caguetar no meu processo, eu vou te cobrir de porrada. No carnaval, tu escapou, mas dei um jeito de embolachar teu amiguinho Seco Edson sem sujar as mãos. Deixamos a cara dele mais feia e preta que a tua, seu otário”. Em outro momento, a pressão era para que ele deixasse a cidade.
Para o secretário Estadual de Justiça e Direitos Humanos, Fabiano Pereira, a denúncia é grave e será alvo de atenção da pasta. Fabiano Pereira designou duas equipes, uma de investigação e outra de proteção, para a cidade de Jaguarão. “Nós vamos atuar em duas frentes. Uma que é a proteção dessa pessoa, para que sua vida não corra risco. Por outro lado, vamos fazer uma investigação o mais rápido possível, uma investigação sobre o caso, para saber a veracidade dos fatos e tomar as devidas responsabilidades e providências”, enfatiza.
Helder embarcou em um carro da Unipampa por ordem da Secretaria de Direitos Humanos às 15h desta quinta-feira, em direção a Porto Alegre. O advogado do jovem, Onir Araújo, protocolou denúncia na Secretaria Estadual de Segurança Pública. A Brigada Militar tem duas sindicâncias em andamento contra o soldado Osni Silva Freitas, o sargento Ávila e o major José Antônio Ferreira da Silva. A primeira é sobre a agressão.
O comandante Regional da BM em Pelotas, Coronel Flávio Lopes, diz que, nas abordagens, podem ocorrer abusos, que sempre são investigados. “A abordagem é um contato físico, e é possível que um policial militar possa ter exagerado ou usado expressões inadequadas. Para isso, a BM possui mecanismos de depuração muito fortes, muito rígidos. Toda vez que uma pessoa se sente lesada ou ofendida, e chegando ao conhecimento de qualquer comandante da Brigada, é imediatamente instaurado um procedimento de investigação”, explica.
A segunda, sobre denúncias de moradores que informaram que os três comandam uma milícia na zona rural da cidade. Os policiais, conforme as informações da sindicância, cobrariam dos agricultores para realizar a segurança e outros serviços. O coronel Flávio Lopes afirma que essa situação não pode mais ocorrer no Rio Grande do Sul. “Eu só posso enxergar de uma maneira: todo e qualquer fato que se relacione à milícia tem que ser extirpada da corporação. Ninguém compactua com isso, nem a Brigada, nem a sociedade. Não significa que sejam as mesmas pessoas, isso ainda está sendo apurado por um oficial de fora de Jaguarão”, reitera.
As duas sindicâncias devem estar concluídas em abril. Se a conclusão for pela culpa dos três, eles podem até ser expulsos. Se for esse o resultado, o relatório será encaminhado para o Ministério Público, que deverá, então, abrir processo criminal contra os policiais.
O comandante da BM de Jaguarão, major José Antônio Ferreira, nega qualquer participação e diz que tudo está sendo investigado. “Pra mim não porque houve um excesso, como está colocado aí, mas vamos apurar o que aconteceu no local. Aqui, nós somos bem transparentes, só que está havendo um sensacionalismo de quem está levando a matéria para vocês”, afirma.
Em Porto Alegre, Helder será enviado para um abrigo de acolhimento provisório. Depois, vai voltar para a Bahia. Ele está triste. “Eu não sei nem o que falar, porque eu vim pra cá com tantos sonhos, já estava concretizando alguns deles trabalhando como estagiário de história na prefeitura, e vou ter que abandonar tudo e retornar para casa”, lamenta.

A Promotoria de Direitos Humanos do Ministério Público Estadual, sob o comando da promotora Miriam Balestro, também investiga o caso. A Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial recebeu a denúncia, que preocupa a ministra Luiza Bairros.
Fonte: Círculo Palmerino 

4 comentários:

Linda Soares disse...

Impressionante...vi esta entrevista hoje no jornal aqui em Porto Alegre e fiquei tomada por uma grande indignação. Não acho certo ele sair da cidade e perder a faculdade que ele conquistou mas para a sua segurança é melhor. Estou com vergonha do Brasil, muita muita vergonha. Queria ter poder para ajudá-lo.

Linda Soares disse...

Assisti hoje aqui em Porto Alegre esta matéria e fiquei muito triste. Não me parece justo que ele desista do sonho de estudar, mas se faz necessário frente a situação.
Sinto-me profundamente envergonhada e gostaria de ter algum poder para ajudá-lo. O Brasil ainda tem muito que aprender e vou continuar fazendo a minha parte como educadora ensinando as minhas crianças a serem humanas e terem respeito com o próximo independente de qualquer coisa.

Anônimo disse...

Impressionante. Até agora, quem saiu perdendo nessa história toda foi a vítima, que acertou em denunciar os agressores. Para que tudo chegasse onde está, bastou que o agredido fosse negro, nada mais. Este é o retrato de um país racista, onde um fato REPULSIVO deste nao causa revolta alguma. Ali Kamel está ajudando indiretamente a submeter, humilhar e matar cidadaos brasileiros.

basiko disse...

desde de pequeno vejo a brigada militar abusando das pessoas com sua truculencia , eu sou prova disso pois sofri muito com a brigada na cidade ondi moro hoje, quanto a promotora esta defendendo a brigada . Eles da brigada ofendem e humilhão , temos que dar um basta nisso nos unindo cada vez mais.